segunda-feira, 12 de junho de 2006

metáfora da vida como leitura têxtil

A vida é como um livro. Algumas pessoas lêem-no devagar, saboreando cada detalhe, cada matiz, cada coisa que se diz e também cada coisa que se poderia ter dito. Outras pessoas lêem-no depressa, o importante para elas é conhecer a história, saber o que se passa, para se deleitarem no fio da ficção ou na anhorança do que esperavam que se passasse mas a autora não quis contar.

Entretecermos o fio da nossa vida com o doutras vidas também é como ler um romance. Quando uma pessoa tem curiosidade, vontade de se adentrar noutra pessoa, é preciso seguir lendo, ir passando as páginas desse livro de carne e osso que só se acaba quando uma das duas pessoas morre. Às vezes o esquecimento é uma sorte de morte, mas nunca definitiva.

Para sabermos o que nos depara esta pessoa, para podermos criar o pano comum de dois fios, ou na verdade mil fios porque cada pessoa tem um fio composto pelos fios de todas as pessoas que conhece, para isso é preciso seguir a ler, queira para chegar aos momentos célebres ou para degostar os pequenos detalhes. Por isso, melhor é ir passo a passo, percorrendo o pano da vida, página a página, sem saltarmos as partes mais agrestes ou mais áridas ou menos emocionantes, porque os contrários se alimentam e sem escuridade não existiria a luz, nem a luz sem a escuridade.

Verdade que as palavras não vêm todas juntas? Vêm uma após a outra, separadas por um espacinho, e em frases e parágrafos. Não aparecem todas juntas porque seriam um embrulho negro na primeira linha do livro, e não daria para ler. Por isso, é preciso ir a jeito, cada coisa ao seu tempo, cada palavra no seu lugar.

Ao lermos, cada palavra, cada página, vem-nos de contínuo, no lugar que lhe correspondeu, e quando vamos ao encontro de cada uma delas, ou quando com ela nos topamos, já fizemos o caminho que cumpria, já houve outras palavras antes, que nos prepararam. Quantas trilhas secretas, ignoradas, que apenas revelam a sua relevância quando já passaram, e apenas graças a elas faz agora sentido o presente. Por isso, estamos preparadas para aceitar o que vier, os giros com que a autora quis surpreender-nos.

Sucumbir à tentação da impaciência e passar de vez umas quantas páginas aborrecidas comporta um certo risco de não sabermos que nos levou a onde estamos, porque já perdemos a trama da história, a urdime da vida. Por isso, melhor deixar-se debalar, com leitura crítica, isso sempre, pelas febras da história, e o que tiver que vir virá, já será quando for o momento, para que a vida seja um pano e não um caos, um farrapo desfianhado.