Mais sobre Galicia Monolingue
Os de Galicia Monolingue argumentam que os professores do sistema educativo galego têm direito a não usarem o galego nas suas aulas, quer dizer, a ensinarem em espanhol, porque a Constituição garante o direito de todos os cidadãos a empregarem qualquer uma das línguas oficiais. Eu concordo nisso respeito da cidadania em geral (como para não concordar!), mas não no que respeita aos trabalhadores da Administração, sejam docentes, administrativos ou juízes. Os que temos a sorte ou o azar de termos que trabalhar por conta alheia, devemos assumir uma série de compromissos quando acedemos a um posto de trabalho concreto, variáveis segundo o posto e o patrão. Os funcionários (incluídos os docentes) são também trabalhadores dum patrão particular, a Administração, que, como qualquer outro patrão, pode impor (não quaisquer, mas sim) certas condições aos seus empregados. Neste caso as condições impostas são necessárias para que o resto dos cidadãos, os administrados, possamos usufruir os nossos direitos linguísticos (nomeadamente podermos usar o galego, que não inclui apenas a possibilidade de expressar-nos nessa língua mas também de sermos atendidos nela) quando somos administrados. Por isso os funcionários não são cidadãos correntes. Nestes momentos, para pôr um símil, enquanto a lei anti-tabaco não se endureza e se equipare a leis como as recentemente aprovadas em França ou Portugal, há trabalhadores de hostelaria que trabalham em estabelecimentos em que têm de respirar fume de tabaco, apesar de que a Constituição diz bem clarinho que todos os cidadãos temos direito à saúde. A mim no meu trabalho obrigam-me a levar um colete com as cores e o emblema da empresa: a Constituição penso que não diz nada sobre indumentária mas eu poderia arguir que se está vulnerando a minha liberdade individual de vestir-me como queira. Na verdade ninguém me obriga a ter esse trabalho, aceito-o livremente, com todo o que esse trabalho implica, vantagens e inconvenientes. Por que os funcionários haviam de ser diferentes?
Para mim os funcionários não são diferentes, devem aceitar as condições que, conforme a lei, comporte o seu trabalho. No caso da língua, a negação dum funcionário a utilizar uma das duas línguas oficiais é mui grave, já que, o discriminado não será ele, mas sim o serão muitos administrados. A Lei diz que os cidadãos galegos temos direito à que a Administração se dirija a nós na nossa língua: como podemos fazer efectivo esse direito se um funcionário se nega a usar o galego connosco? É evidente que aqui há um solapamento de direitos e de interesses que há que resolver dalguma maneira. Para mim está claro que o direito dos administrados implica uma obriga no administrador. E para legitimar que o galego seja a língua preferente da Administração galega só basta com citar a própria Constituição espanhola, que diz que o galego deverá ser "objecto de especial respeito e protecção" (e recalco "especial", que se refere a medidas de promoção das que não goza o espanhol).
Não todos somos iguais ante a Lei, nem podemos sê-lo. A Lei, na minha opinião, deve ser igual para aquelas pessoas que são iguais, mas não para o resto. Por exemplo, ainda que o delito seja o mesmo, as penas para um menor não são iguais que para um maior de idade. As circunstâncias de cada indivíduo condicionam o seu submetimento à Lei. Os funcionários, quando estão a trabalhar, são serventes do resto de cidadãos e por isso, em caso de solapamento, os direitos do resto da cidadania devem estar por cima de certos direitos seus, que devem ficar suspendidos, e servir ao cidadão é a sua obriga e portanto a língua a utilizar pode perfeitamente estar fixada nas condições desse serviço. Que passaria se se lhe exige ao trabalhador dum posto de turismo que fale inglês com os turistas que querem informação (e que possua ou adquira as competências para fazê-lo)? Seria razoável que o trabalhador que ocupe esse posto denuncie que se vulnera o seu direito constitucional a utilizar a língua espanhola simplesmente porque está em território espanhol? Pergunto-me se também protestariam se fossem jornalistas de Vieiros, de Galicia-Hoxe ou da TVG porque no seu trabalho têm de usar o galego. Se trabalhassem num liceu francês ou num colégio alemão protestariam por terem que usar o francês ou o alemão nas suas aulas? (não são perguntas retóricas). Outro caso, imaginemos uma pessoa que trabalhe numa escola, pública ou concertada, em que se implemente o modelo trilingue, como já se está a fazer em Baleares, com espanhol, língua própria do país e inglês, e que se fixasse (seja polo governo ou polo centro) que a disciplina que essa pessoa ministra (entre outras) tem de ser veiculada em inglês: essa pessoa teria que falar em inglês nas suas aulas, ainda que ensine matemáticas ou ciência ou o que for, e ademais teria que formar-se em inglês se o seu nível não fosse bom o suficiente. Nesse suposto, também denunciaria a conculcação dos seus direitos constitucionais por não poder dar as suas aulas em espanhol? Eu suponho que não, e de facto acho que terão muitos menos problemas (ideológicos, claro é) para darem aulas em inglês dos que terão em galego. Os funcionários (docentes incluídos) são cidadãos, certo, mas quando estão no seu posto de trabalho não exercem apenas de cidadãos, exercem de trabalhadores cujo trabalho é servir os outros cidadãos. Os de Tanga querem resolver esse conflito de direitos e interesses mediante a fórmula "yo y mi culo por encima de todo".
Para os de Tanga e Galicia Monolingue para trabalhar em galego há que ser galego-falante, e para ser galego-falante há que ser nacionalista radical e racista. Em Vieiros não o sei, mas na RTVG quanto pessoal não haverá que está aí porque a concorrência no mercado como profissionais da comunicação em espanhol é muito maior! Quantos futuros jornalistas galegos não terão escolhido fazer a carreira por galego e não por espanhol pela simples razão de que a RTVG é um empregador mais que provável se estão formados nessa língua e muito mais acessível que outros como a TVE! A mim parece-me mais bem que as pessoas que escolheram fazer a carreira em Santiago por galego não o fizeram por terem uma ideologia nacionalista rância e sectária, mas simplesmente pensando no que seria melhor para o seu futuro profissional. É mais, parece que, ante tal perspectiva, talvez seja por ter uma determinada ideologia (como a que têm em Tanga) que uma pessoa rejeite fazer a carreira de jornalismo por galego (a não ser que tenha pensado ir trabalhar noutro país). Ou seja, como hipotético jornalista que poderia ter sido qualquer das pessoas que integram Tanga e GB, uma de duas: a) teria rejeitado fazer a carreira por galego, por razões que eu não saberia explicar mas que iriam contra a lógica dessa profissão na Galiza, e em cujo caso provavelmente não teria acesso a um posto de trabalho na RTVG ou b) teria, como todo filho de vizinho, pensado no seu porvir e escolhido o que parecia melhor para o seu devir profissional. E nesse segundo caso, não é improvável que tivesse arranjado trabalho na RTVG. Parece-me uma maneira plausível de explicar por que uma pessoa trabalha num meio de expressão em galego sem apelar à qualquer ideologia expressa. O que quero dizer é que em muitos casos a língua de trabalho e o mercado no que uma pessoa decide competir tem muito pouco a ver com a sua ideologia. É sabido: primeiro o bandulho, depois o orgulho. Ou era ao revés? De facto, estou convencido de que muitas pessoas das que trabalham na RTVG não são especialmente galeguistas nem sensíveis à questão da língua. Era muito gráfico aquele quadrinho do Xaquín Marín em que o realizador dum programa de tv da TVG dizia "Atentos, ahora hablad en gallego que empezamos a grabar" ou algo assim. Em qualquer caso, pergunto-me se os de Tanga iriam tão longe como afirmar que as pessoas que trabalham pondo a voz (e talvez também a cara) na RTVG têm direito a protestar por ser vulnerado o seu direito "constitucional" a se expressarem em espanhol.
Enquanto ao decreto de galeguização do ensino, que é o que realmente critica Tanga (já que está formada por "padres e profesores"), pois o decreto não carece em absoluto de legitimidade porque o único que faz é aplicar o que já diz a Lei de Normalização Linguística, aprovada por todos os grupos no Parlamento galego. O que dizem os de Tanga é tanto como afirmar que os grupos políticos galegos não representam a cidadania.
A língua é um elemento de discriminação flagrante e muitas pessoas continuarão a pensar que não todos os espanhóis somos iguais enquanto um madrileno (por pôr um caso) possa ter acesso a TODO na sua língua mas um galego não. Poder-se-á pensar ou não que essa situação de desigualdade deve ser mudada, mas não se poderá negar essa situação. Também poder-se-á concordar ou não com que é preciso fazer algo (e.g. mudanças radicais) para frear a redução nas últimas décadas do número de falantes de galego, mas não se poderá negar essa redução. A dramática redução de galego-falantes não é espontânea nem se deve a factores intrínsecos da língua ou dos falantes, as pessoas não deixam de falar a sua língua porque sim ou porque essa língua tenha poucos falantes: na Letónia e na Eslovénia há menos habitantes que na Galiza e nem por isso os letões e os eslovenos deixam de falar as suas respectivas línguas. As causas de que um galego-falante lhe fale espanhol aos seus filhos (que é basicamente onde radica o problema) tem a ver com a desigualdade, agrávio comparativo, discriminação ou como se lhe prefira chamar que existe entre espanhol e galego. E dada essa situação parez claro que são necessárias, como pouco, políticas como a plasmada no devandito decreto. Criticá-las com a escusa de que a lei admite a possibilidade teórica de que se impartam em galego o 100% das matérias (o qual sempre seria porque assim o quer o centro: profes, AMPAS, etc.), parez-me, no mínimo, uma hipocrisia. O que eles propõem, o laissez-faire, é um ponto de vista legítimo, mas suponho que não pensariam assim se a língua minorada/em perigo de desaparição fosse a deles.
É certo que há que ter olho para que as vítimas não se convertam em verdugos, é verdade que adoita passar, poderia passar também aqui, mas de momento, se a minha perspectiva das coisas tiver um mínimo de objectividade, o certo é que, no grande geral, as vítimas não foram nunca, nem são agora, os espanhol-falantes. Insisto, no geral. Conheço uns poucos casos em que sim o são, mas conheço infinitamente muitos mais em que são os verdugos. Os espanhol-falantes que se creem vítimas unicamente o são da sua própria (e talvez voluntária) falta de compreensão do mundo em que vivem e das, digamos, razões ideológicas de fundo que sustentam a sua ideia da Galiza, do galego e de Espanha como estado em que o espanhol deve estar acima das outras línguas. Têm direito a ter essa ideia, mas afortunadamente essa ideia têm-na cada vez menos pessoas. O engraçado é que, por outro lado, os de Tanga pretende fazer-nos crer que eles não têm ideologia e que se regem unicamente pela razão, enquanto os nacionalistas é que "querem impor a sua ideologia". Se eles pensam que não há direito a que certos indivíduos tenham por lei que expressar-se em galego no seu trabalho é precisamente pela sua ideologia. As leis, assim mesmo, estão elaboradas por pessoas que respondem a um programa e plasmam uma ideologia. O conflito pois, é de raiz legal mas não deixa de ser ideológico também. Os nacionalistas, na verdade, o que querem não é impor a sua ideologia, valha-me Deus!, mas simplesmente aplicar a lei. A única razão que vale nesta questão é a razão da maioria e o único que se está a impor é a soberania popular, como deve ser: qualquer um tem direito à "pataleta", mas num sistema democrático, as coisas serão o que a maioria queiramos que sejam. E em qualquer situação de mudança, sempre há minorias insatisfeitas, é inevitável.